Terça-feira, 8 de Julho de 2008
Convento de Montariol - História de Frades

Com Braga sob os seus pés, o convento franciscano de Montariol guarda segredos de encantar. Para além de 20 frades e uma longa história, hoje possui uma vida de irmãos única, aberta às pessoas, ao mundo. Ali, há vidas infindáveis, a simpatia contagiante dos irmãos, uma presença real no mundo, livre, imensa como a montanha que se eleva por detrás.

 O Tau – É o símbolo franciscano, simboliza a cruz. O Tau é a última letra do alfabeto hebraico e pela semelhança que tinha com a cruz de Cristo, o Tau ocupa um lugar especial na vida de S. Francisco de Assis.

Depois de se entrar no amplo convento franciscano de Montariol, a imagem de clausura dos conventos desvanece-se. O espaço é agradável, amplo, e a simpatia contagiante dos irmãos abre um lugar que, mais do que se encerrar em si, se abriu às pessoas e, em cada desejo, em cada frade, há uma imagem livre e feliz da presença naquele espaço. Para compreendermos esta realidade, temos de entrar, falar, deixar as palavras e o coração dos irmãos repousar na simplicidade do olhar, das palavras. Em todos eles há essa alegria contagiante e uma determinação que define o querer, a vontade sólida de uma fé de ajuda aos outros. Acompanhados pelo frei José Pinto, guardião do convento, a liberdade dos homens está ali presente. O mundo ali tem outras razões, outros sentidos.

  

Frei José Pinto
O guardião

Ser guardião é um serviço, «não estamos agarrados ao poder». Frei José Pinto, 48 anos, leva-nos pelos longos e altos corredores do convento. A casa é fresca, ampla, com um odor a novo, talvez pelas obras recentes de remodelação. Por fora, o cinzento das paredes contrasta com a cor rubra do telhado. No alto, o convento de Montariol parece olhar Braga num sossego que a montanha guarda em segredos de árvores. «Aqui, todos são guardas de si mesmos e guardas dos outros numa linha de responsabilidades. Somos responsáveis uns pelos outros, caso não o fossemos deixávamos de ser irmãos. O guardião é directamente responsável por tudo o que diz respeito à vida da casa, à vida espiritual, humana, responsável pelos serviços, por quem nos serve e colabora connosco. O guardião tem mais três irmãos que se reúnem para analisar os diversos assuntos».
Com uma longa história, o convento de Montariol foi colégio até 1984. A remodelação inicia-se em 2000. E ainda não terminou. O desejo é tornar válida a casa e dar respostas às solicitações que vão surgindo. O sentido é adaptar o convento a uma nova realidade. Toda a parte das camaratas foi transformada em quartos, criaram-se salas e espaços de acolhimento, remodelaram-se os anexos que funcionam para catequese e escuteiros, na verdade, há ali um espaço simpático, acolhedor, agradável para receber diferentes grupos e pessoas.
Enquanto caminhamos vemos a vida do convento a mover-se. Apesar da média etária ser muito elevada, todos têm os seus serviços. «Temos um irmão com 94 anos que cuida dos canários e dos peixes. Hoje estava um pouco aborrecido porque o vento não o deixava colocar uma gaiolazita no claustro. Todos têm a sua ocupação».
Sente-se que há liberdade para cada um desenvolver os seus desejos. Para frei José Pinto, o «viver em fraternidade, em comunidade, implica ter uma certa organização de vida para que tudo funcione bem. Mas dentro dessa organização, seja espiritual, seja de serviços, há o espaço de liberdade para que cada um, dentro daquilo que está programado, possa desenvolver as suas potencialidades e capacidades». Por isso, «tudo o que vemos que é para bem das pessoas, pô-las em bem, porque é que vamos fechar as portas? Se fosse algo que prejudicasse, interferisse nalguma coisa a nível interno ou externo, seria diferente. Mas dentro deste desejo de fazer o bem, nesta liberdade de poder ajudar os outros, acho que é o nosso serviço, a nossa missão, a nossa vocação. É uma forma de as pessoas poderem ver e beber daquilo que nós procuramos ser».
Para manter uma estrutura como o convento de Montariol a funcionar é preciso, «para além da fé», uma organização responsável. «Temos o nosso serviço, o trabalho que prestamos às pessoas e que elas gratificam, como as pregações, as orientações de alguns retiros, as missas. Temos ofertas de benfeitores, a maior parte anónimas, temos as reformas, pois fizemos os descontos. Temos a quinta, com os produtos da terra e os animais. Temos o acolhimento, um espaço de espiritualidade, para os nossos trabalhos internos mas, também, para o serviço da comunidade».
A dominar Braga, «mas não somos dominadores», do convento vemos o vale do Cávado, Barcelos. «A cidade aos pés, a montanha por detrás. Temos de estar atentos às pessoas e às coisas que cada vez mais são diversificadas, temos de ter muita criatividade, imaginação, bom-senso, sentido de serviço, generosidade e caridade». Frei José Pinto, o guardião, sente-se feliz com o que faz, com aquilo que é e quem é…

  

Frei Simões
A esclarecer a cultura

Quando chegou a Montariol, frei José Simões Alfaiate veio trabalhar com os postulantes, aqueles que estão para entrar na ordem franciscana. Com o fim do colégio, frei Simões fica com o tempo mais livre. Para além de trabalhar na comunidade terapêutica, em Celeirós, Braga, que tem por objectivo a recuperação e reinserção social de toxicodependentes, tem um outro projecto, o desejo de construir uma casa de acolhimento para recuperação e tratamento de pessoas infectadas com SIDA. Em ordem a este projecto pretende-se recuperar as antigas oficinas do colégio para aí ficar sediado o centro de acolhimento. Mas, para já, por falta de verbas, frei Simões ainda anda em trabalhos para ser possível erguer com raízes profundas esse desejo.
Frei Simões não aparenta os 72 anos. E a primeira imagem dele é de um homem de poucos sorrisos. Mas isso sente-se nas primeiras palavras. Depois, apesar da pressa e de ter horas marcadas e estar atrasado, o rosto tem outra simpatia e deixa as palavras seguirem as vagas quentes do dia. «O nosso papel na sociedade é ajudar, colaborar com as pessoas. Temos a parte apostólica, de evangelização e de pastoral ligada à diocese. E como o colégio desapareceu, temos de ter outras coisas, pois essa colaboração com a diocese e a nossa vida aqui de frades, com reflexão e oração, não preenche a vida totalmente, fica-nos muito tempo livre».
Assim, frei Simões preencheu a vida, que hoje sente repleta, a atender pessoas, a esclarecer pessoas sobre as mais diversas superstições. «A cultura que temos tem uma superstição espessa, negra, é uma coisa tremenda. E toda a gente, mais ou menos, a possui. Tudo aquilo que diz respeito à forma como o demónio nos ataca, e aos mortos que podem cá vir e meterem-nos em não sei quantos problemas, e aos feitiços, às invejas, aos maus-olhados, às pragas… Há pessoas que têm a vida estragada por ter uma cultura encharcada destas coisas. As pessoas ficam de tal maneira com medo dos problemas que não são capazes de andarem com a vida para a frente, ficam doentes». E o que faz frei Simões para esclarecer as pessoas? «Simplesmente explico este problema cultural. O problema é cultural, não é real, e vem do fundo dos tempos. As pessoas procuram-me bastante. Somente esclareço, sem mais nada, esclareço uma cultura errada, só isso». Não faz exorcismos? «Nunca. É uma cultura errada que aprendemos e as pessoas mais sensíveis ficam muito envolvidas por aquele medo do demónio ou do morto, do feitiço ou da praga. O que é preciso é explicar de forma culturalmente acessível o que está a acontecer às pessoas, dando exemplos doutros casos que ajudei a resolver. Nunca vou a lado nenhum. A supostas casas assombradas, nunca vou. Seria uma indicação contrária ao que se deve fazer. Se fosse é porque haveria lá qualquer coisa má, mas não há. O que há é uma pessoa que com o seu tipo de mentalidade supersticiosa dispara a sua própria energia que vai provocar na casa os mais variados e estranhos fenómenos. E é o inconsciente que trabalha e que cria esses fenómenos. São coisas fáceis de tratar, de falar, não é nada complicado». Por isso, se tiver tempo, frei Simões escreverá um livro sobre esta temática de uma forma que as pessoas possam entender.
Apesar de frei Simões nunca se ter dado a conhecer, há imensa gente que vem ter com ele. As pessoas falam dele umas às outras. E enquanto ajuda a tratar esses males de alma, de espírito, continua na luta desarmada, de palavras e papéis, para conseguir os apoios necessários para avançar com o projecto da clínica para recuperação e tratamento de pessoas com SIDA e para ampliação da Comunidade Terapêutica de S. Francisco, Celeirós, Braga.

  

Frei Augusto
O pêndulo

Frei Augusto é homem magro, de uma simpatia contagiante e de uma sabedoria que guarda na alma as quase nove décadas de vida. No seu espaço, uma pequena sala junto à entrada do convento, recebe imensas pessoas. A sala, uma espécie de consultório, é clara, com os artefactos de um consultório médico: marquesa, quadros, armário com caixas que parecem de medicamentos, secretária, cadeiras. Ali passa as tardes a receber pessoas, «elas querem ouvir o velho».
Vamos resumir a história de frei Augusto. Foi assim: Um dia sonhou e ouviu: Augusto, cura-me, estou doente. O meu nome é J. N.. Acordou sobressaltado e fez a tradução dessas duas letras. Jesus Nazareno. «Curar o nosso irmão é curar Deus, parti desse princípio porque comerciante não sou». Já com umas «luzinhas curtas» de enfermagem e medicina, pois havia trabalhado num hospital, decidiu dedicar-se à arte. Esteve em Moçambique, Espanha e quando chegou a Portugal a sabedoria tinha-se refinado nas diversas experiências. E o que cura? «Aqui vem todo o problema. Mas o meu forte é os cancros, os asmáticos até aos 10 anos, úlceras estomacais». Naturopata, frei Augusto sabe «que nunca se deve tratar um cancro directamente, mas indirectamente através de uma alimentação correcta».
Em todas as palavras deixa um sorriso. É criativo, imaginativo e aos 88 anos não se imagina que possa ter tanta vida e genica. Mas «o medicamento principal é a cabeça. Se soubermos pensar, comer, trabalhar e louvar a Deus não há enfermidade. As coisas são simples, não é preciso andar sempre a correr para o médico». A conversa alarga-se e é impossível traduzir em palavras a multiplicidade de cores das suas expressões, o saber policromático, as histórias arco-íris. Explica tudo o que se deve fazer para evitar as doenças, uma sabedoria de palavras, gestos e sorrisos que preenche todo o olhar. «Não é a comer porcarias e a andar com chicletes na boca. Um dos segredos de um bom equilíbrio alimentar reside numa alimentação variada em que predominam os chamados alimentos vivos, isto é, as frutas e as saladas cruas. Até aos 30 comam de tudo. Dos 30 para cima nunca mais comer alimentos fritos. E depois ensinar as pessoas a pensar, higiene mental, que é muito importante dominar o pensamento, e quem está com Deus não precisa de deixar entrar na sua caixa craniana pensamentos nocivos, basta um pensamento: Deus, pátria e vida, mais nada».
Depois, para as curas, tem a terra, a água e as plantas. «Mas o essencial é a higiene mental, porque a grande enfermidade das mulheres e dos homens de hoje está do pescoço para cima. Vem aqui sempre muita gente procurar-me, mas o principal é ensinar as pessoas a comer, a pensar e a trabalhar, o resto não interessa». Conta: «Se chega aqui uma pessoa cheia de dores sai direitinha. Noutro dia estava aí um casal e a esposa tinha umas dores nas costelas. Tive de lhe dar umas pancadinhas. Dizia o marido: chegue-lhe, ela consigo não se zanga. Brinco aqui com os pacientes. O que lhe estou a dizer digo-lhes a eles. Muitas vezes não lhes digo mais porque tenho muita gente à espera, as pessoas querem-me ouvir, querem ouvir o velho».
O desejo de frei Augusto é ajudar as pessoas e sente-se bem nesse caminho. Sorri e abre um das gavetas da pequena secretária. Tira uma espécie de cristal e mete-o numa régua. Segura a régua com as duas mãos à altura dos olhos e o cristal move-se. «Tens de estar quieto. Tenho aqui o pêndulo, por vezes tenho de o pôr a trabalhar. Este pêndulo detecta coisas». No pêndulo o que vê? «Não vejo nada, ele é que me diz coisas». E como diz? «O senhor tem uma pequena deficiência hepática e é a razão das digestões morosas». É verdade. E como sabe através do pêndulo, não me conhece? «Concentrados no nosso irmão não vemos completamente o seu corpo, mas até certo ponto sim desde que estejamos concentrados com ele. Transmissão de pensamento, porque o senhor sabe tudo o que tem. Tínhamos aqui muito para tirar da cabeça do velho. Sabe, a pessoa está doente e vai ao médico. Se for a um só qualquer dia pode ficar curada, se for a dois nem se cura nem morre, indo a três morre».
Agora, se quiser saber como se faz um caldo verde à frei Augusto terá de lhe ir perguntar, bem como as bases de uma alimentação saudável, que as conhece de certeza. Não me posso alongar mais e ainda vamos ao santuário, ao campo das plantas aromáticas e medicinais num dos socalcos da quinta do convento. «Aqui a cultura é 100% biológica», e desse pequeno jardim quase encantado, de múltiplas formas, cores e odores, saem muitas das plantas e ervas que ajudam a curar as pessoas. «Eu não curo nada. Deus é que cura através de nós».

Frei Paulo
O médico

Depois de tirar o curso de medicina, foi como voluntário para a Guiné-Bissau trabalhar numa leprosaria. «Pensava passar lá um ano e acabei por ficar três anos e meio. No final desse período é que decidi ser frade». Frei Paulo Coelho de Sousa tem 45 anos. Chega a Portugal, faz o curso de Teologia e, durante o curso, conheceu um processo terapêutico através de um frade italiano. A Terapia de Integração Pessoal (TIP). «É uma aplicação terapêutica de um processo, de uma metodologia, de Abordagem Directa do Inconsciente (ADI) que, embora tenha sido desenvolvida num contexto de psicoterapia, através dessa ADI é possível chegar às raízes inconscientes de doenças inclusivamente físicas. Por isso, tem uma aplicação médica também».
Frei Paulo ocupa uma das alas do convento deixado vago há alguns anos por umas freiras que ocupavam esse espaço. No início, tinha uma proposta do provincial para trabalhar numa estrutura de apoio a doentes com SIDA, Domus Fraternitas. A «TIP seria um instrumento muito válido. Mas quando cheguei, como não tinha a estrutura da comunidade terapêutica e da casa de doentes com SIDA a funcionar, resolvi montar o consultório para atender as pessoas que quisessem». Que são muitas.
Todo o processo começa com uma consulta médica para se realizar uma avaliação geral da saúde da pessoa, as motivações que a trazem a fazer a terapia e, «sobretudo, para tentar perceber se existe alguma situação de saúde que seja contra-indicação para o uso do aparelho de Electro Estimulação Craniana (CES), pois há meia dúzia de contra-indicações». Depois a TIP desenvolve-se ao longo de várias sessões. Frei Paulo explica o processo minuciosamente, mostra o espaço que aproveitou para criar os consultórios e sente-se em cada palavra um gosto imenso pelo trabalho. «Ser frade não é ter uma profissão ou ter uma actividade específica. É um modo de realizar ou de exercer qualquer profissão ou qualquer trabalho. O ser frade está mais na dimensão ontológica do que propriamente na praxis».
A grande maioria dos pacientes de frei Paulo traz problemas depressivos, mas, além dos problemas psicológicos, têm surgido pacientes com problemas físicos ou problemas de relacionamento. «Isto é um processo terapêutico, não é só uma consulta. Claro que há algumas frustrações com alguns pacientes, isto não é uma varinha mágica, exige empenhamento da pessoa, um querer mudar a sua vida naquilo que ela encontrar dentro do seu inconsciente como uma dificuldade que precisa de ser mudada».
Para além desta ocupação, frei Paulo tem a seu encargo o cuidado médico dos irmãos da comunidade com uma média de idades de 74 anos. «Tenho que dar apoio a uma estrutura, chamada enfermaria provincial, um espaço onde acolhemos os irmãos quando estão doentes. E ainda dou apoio médico à comunidade terapêutica de toxicodependentes».

Frei Luís
O cozinheiro

Frei Luís Sabino é um dos frades mais novos da comunidade, 32 anos, e o mais largo. Tem nas palavras os sabores, os temperos, a confecção dos alimentos, uma paixão pela sua vida e pela dos outros. «A minha função é acolher e tratar bem, tanto os frades, como a gente que aqui vem. Faço as ementas e, como responsável da quinta, tento que sejamos auto-suficientes em carne e legumes».
Açoreano, frei Luís, depois de ver na paróquia o filme de S. Francisco, decidiu fazer uma experiência. O mais difícil foi deixar a família, os amigos. Mas a decisão estava tomada. «Sinto-me feliz, realizado, e sinto-me melhor cada dia que passa, é uma descoberta».
Há quatro anos em Montariol, no seu gosto por convívios, alegria, de pessoas, de festas, começou a fazer almoços-convívio. «A Terceira é uma ilha que está sempre em festa. A ideia surgiu e as pessoas cada vez mais nos pedem para realizar esses almoços. O próximo é no dia 9 de Julho, cabrito montanhês. Há um ambiente de família e sinto que há necessidade de reunir as pessoas à mesa para elas partilharem, falarem, exprimirem o que sentem. Hoje, as pessoas não têm tempo, nem para comer. Nestes convívios começam a formar-se pequenos núcleos de amizade, e acho que na sociedade há falta destes convívios saudáveis. As pessoas andam muito dispersas, comodistas, lá no seu mundo pequenino e aqui têm esse núcleo de família alargada».
Mas frei Luís tem outras actividades. Para além da cozinha, onde precisa de praticar uma gestão cuidada, organizada, sem estragos, faz «terapia do trabalho» a grupos de jovens. «Vêm aqui de tarde e são ocupados nos trabalhos da quinta, fazendo o que for necessário. Limpamos a mata, cultivamos, tratamos dos animais, fazemos de tudo. E, com grupos rotativos, aproveito a sabedoria e a capacidade deles para melhorar as coisas».
Como responsável pela quinta, frei Luís sabe que tem de manter os efectivos dos animais e as culturas adequadas nas alturas próprias para a auto-suficiência do convento estar garantida. Têm porcos, galinhas, vacas, coelhos, cabras, até avestruzes. Tudo, num amplo espaço, de vários hectares, verde. Árvore de frutos, a mata, enfim, uma área que frei Luís quer, nas suas ideias e vontades, na sua liberdade, tornar uma quinta pedagógica. «Vêm muitos grupos de crianças visitar-nos. Gostava de abrir este espaço e explicar às crianças e aos jovens como as coisas são. Temos variedade de animais, teríamos de ter mais alguns, teríamos de renovar a nossa mata, organizar tudo o que está à volta do convento. Deus me dê forças e saúde para continuar aos poucos. Seria uma ideia feliz fazer algo pelas crianças e jovens de amanhã, porque cada vez mais eles não conhecem nem os animais nem as plantas».
Ao frei Luís, para concretizar esses desejos, não falta espaço e o lugar está ali. Sente-se que, aos poucos, entre a cozinha, os jovens, os almoços-convívio, o serviço aos irmãos e à comunidade, um novo espaço irá crescer em Montariol.

Frei Perdigão
O xarope de aloé

Encanta a paz deste homem. Frei Perdigão, de 64 anos, corta o aloé em pequenos pedaços e mete-os numa liquidificadora. Enquanto o faz pergunta ao homem que se encontra à sua frente, ambos de pé, qual o problema. Cancro no intestino, um caso complicado. Abre o frasco de mel que o homem lhe entrega, mistura com o aloé já moído, deita umas gotas de um outro frasco e o xarope está pronto. Não diz que o xarope o curará. Diz-lhe a realidade, que o caso é complicado e, pelo que lhe conta, terá mesmo de usar saco. Mas o xarope mal não fará e nunca se sabe…
O espaço de frei Perdigão fica numa arrecadação exígua ao lado da igreja do convento. A privacidade do atendimento não é garantida por uma espécie de biombo, este fixo, de alumínio e vidro, pois não isola o espaço onde fala com as pessoas do espaço onde outras, muitas, esperam. Na sala de espera, cadeiras e pouco mais. Do lado de frei Perdigão, as imensas folhas de aloé apanhadas de manhã muito cedo, frascos vazios, uma mesa onde está a liquidificadora de uma marca conhecida. E pouco mais. Atrás, uma pequena porta, uma espécie de despensa que utiliza para guardar alguns produtos naturais e lhe serve de espaço para palavras mais silenciosas.
Frei Perdigão tem a sua história de vida como se de um conto de Charles Dickens se tratasse. Aos 15 anos, já a trabalhar, teve um desentendimento com companheiros de trabalho. Não concordava com eles e um deles disse-lhe: Tu vais ser um desgraçado, quando fores grande não vais ser nada na vida, nem sequer vais ganhar para ir ao barbeiro. «Foi uma praga terrível, levei isso como maldição, magoou-me muito». Um dia, no fim do trabalho, cansado, resolve sentar-se no muro da igreja da aldeia e adormece. Acordou com alguém a bater-lhe no ombro. «Era um velhote de barbas, com hábito castanho, corda à cinta, saco às costas, mala na mão. Queria saber se na terra havia alguém que desse dormidas. E enquanto o levava pensava que ele também não ganhava para desfazer a barba».
Ora, no dia a seguir, frei Perdigão foi com ele dar uma volta pela aldeia. «E perguntei-lhe porque andava assim, descalço, com um fato desses, não tem dinheiro para o barbeiro? Ele contou-me as suas opções de vida, a sua história. Encantou-me, seduziu-me. E um dia, muito mais tarde, decidido, entrei na camioneta e fui fazer a experiência da vida de franciscano ao convento de Varatojo. Foi no dia 10 de Janeiro de 1954, às 9h00. Ao entrar no convento, aquela paz, aquele recolhimento e a presença de todos aqueles frades encantou-me, seduziu-me e fiquei e sou feliz».
Durante mais de três décadas trabalhou na editorial franciscana do convento de Montariol. Depois, veio para o colégio, como perfeito, com algumas aulas. Quando abre a enfermaria provincial, em 1962, onde se recolhem os frades doentes e idosos, ficou responsável pela enfermaria. Paralelamente, visitava doentes e drogados em bairros de Braga e trabalhava com jovens na catequese e nos escuteiros. Uma vida preenchida. E, há 12 anos, «apareceu esta experiência do cato, do xarope de aloé. Para mim não foi novidade nenhuma e foi juntar a experiência aos conhecimentos que já tinha. Por aqui passam casos fantásticos, desde gente simples, a médicos, arquitectos, de todas as raças, de todas as partes de Portugal e do mundo. E estas coisas acabam por nos encantar. Porque vejo como as pessoas chegam, desiludidas, desencantadas, revoltadas, e passado algum tempo estão diferentes. São estes casos que me dão força, mesmo depois do enfarte que tive, para continuar a atender pessoas. E se vêm de longe é porque precisam de nós e se nos procuram sinto que tenho a obrigação de fazer tudo o que está ao meu alcance para as ajudar».
A frei Perdigão aparecem doentes de tudo. «O xarope faz bem, mas mais do que o xarope, para uma percentagem grande de pessoas, faz melhor uma palavra amiga e um desabafo. É que as pessoas precisam de falar». Aqui não se fazem milagres, «mas por vezes consegue-se desbloquear o computador cerebral que está, em muitos casos, no medo e horror que algumas pessoas têm à doença e há pessoas que ficam mesmo apanhadas. Uma doença, stress, cansaço ou uma chatice grande que nos mói, trazem-nos problemas de sono, pesadelos, deixamo-nos ir abaixo e entramos em depressão. Tem-se medo de estar sozinho, do escuro, começa-se a ouvir vozes, ver imagens, sombras, começam a julgar que é mau-olhado, mal de inveja, as almas do outro mundo, tudo tretas. E isso desmonta-se, porque no fundo todo o ser humano é religioso e quando não há crença há crendice».
Enquanto atende um casal jovem, frei Perdigão fala, ouve, sorri, deixa a serenidade do seu olhar penetrar nas pessoas. Há o ruído da liquidificadora a moer o aloé, depois o aloé a misturar-se com o mel. Um odor agradável. «Sinto-me feliz, é tão gratificante. Não imagina como me sinto feliz do coração». Isso no olhar sente-se, nas palavras, na forma de estar. E tem segredos? «É só a planta e a palavra amiga, a confiança, muita confiança. Há um segredozinho». Que conta. Haverá outros, mas esses guarda-os frei Perdigão no olhar.

Publicado bragadistrito às 05:59
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De Rui Laredo a 9 de Julho de 2008 às 11:04
Parabéns pelo Blog e pelos textos.
Fiquei deliciado com a forma como escreve e com aa pessoas que descreve realçado o seu sentido de vida e a sua COMUNHÃO connosco, embora não nos conhecendo.
Muito agradecido
De Filipe Martins a 4 de Janeiro de 2009 às 04:00
Esta é uma questão destinada ao Frei Perdigão.
Disseram-me que o frei já resolveu muitos e muitos problemas a jovens "vítimas" de acne. Eu também tenho acne mas o meu maior problema são as manchas que tenho na pele, quer no rosto, quer no peito, quer nas costas. Gostava de saber se o frei tem conhecimento de algo para acabar com este problema, quer pela eliminação das manchas e/ou pelo escurecimento do meu tom de pele. Será possível deixar o seu contacto telefónico ou não para entrar em contacto consigo?

Respeitosamente,
Filipe Martins.
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