Terça-feira, 4 de Novembro de 2008
Vamos à bruxa - A magia da cura

Primeiro, ouvimos quem foi à bruxa. Depois, fomos falar com videntes. Um mundo marginal, escondido, abafado em silêncios. De magia, ritos próprios, palavras únicas. Tentámos aproximar-nos dele, compreendê-lo e, no fundo, dar uma perspectiva humana e real da liberdade das pessoas acreditarem nos desejos.


1

Quando Maria passou junto ao carro do padeiro, não sabia que Engravida Melgas estava à espreita. Foi logo dizer à sogra de Maria que a nora andava metida com o homem do pão. «Nem falei com ele». Soube Maria, mais tarde, que a sogra espalhara o boato. Já reparara que o cunhado a fora espreitar. Quando o viu novamente, e sabendo o que ele andava a fazer, foi directa: «Controle a sua mulher que pode estar com outro na cama e você sem saber». A sogra ali perto, a ouvir. E Maria: «Desapareça, não preciso que me ande a guardar. Pode morrer que não a perdoo nem à hora da morte».
Tudo poderia ter acabado por aqui e Maria não teria o primeiro contacto com uma vidente. Mas, a sogra de Maria teve um «ataque». Ficou sem falar, paralizou de uma perna e de um braço, e caiu à cama. O mal era de morte. Antes de morrer, Maria desculpou-a: «Deus lhe perdoe tudo o que me fez que já lhe perdoei».
Maria engravidou e nasceu a quarta filha, Alice. Aos quatro meses, Alice adoeceu. «Médicos e médicos e não sabia que fazer à menina». Disse-lhe o sogro: «Vai dar voltas com a criança que ela está como a avó, com o braço paralisado». Maria, desesperada, procurou. Informaram-na de uma senhora de Lousada. Levou Alice com ela. «A mulher encostou uma cruz ao peito da menina e a curandeira ficou tal e qual a minha sogra. Perguntei:
— Tu o que queres à minha filha?
— Eu não quero nada, só quero que me perdoes tudo aquilo que te fiz.
— Já te perdoei há muitos anos.
— Sei que me perdoaste, mas Deus não me perdoa enquanto não te vier pedir perdão. Perdoas-me?
Quis que ouvisse missas, pusesse velas. A criança melhorou. Nunca mais teve nada». Maria diz que «a mulher não sabia o que se passava em minha casa, não conhecia o meu homem nem a minha sogra. Acertou em tudo. Adivinhou e acreditei. Estava farta de ir a médicos. Diziam que minha filha não tinha nada».

 

2

Se o avô soubesse, não teria deitado o defumadouro ao quintal depois de tratar do seu problema. «A miúda tem o sangue fraco, passou pelo quintal quando ia para a escola e no dia seguinte estava doente». Médicos e mais médicos, «corri o mar e a marinha, especialistas dos olhos, análises, e nada», sempre a vomitar, «ai, a minha cabeça vai pelos ares, eram as queixas dela». Laura, a mãe, não teve dúvidas; não era doença de médico. «Que mal a minha filha andava. Doíam-lhe as pernas, tinha momentos que não via nada, pedia para acender as luzes que estou às escuras, tal e qual a avó dizia». Laura levou a filha perto de Penafiel. «Andava a avó metida na garota». Aconselhou a vidente à criança:
 Põe-te em frente ao senhor de joelhos e reza 9 pai-nossos
Molhar as mãos em água benta e põe-nas em cruz no teu peito à noite ao deitar da cama
Defuma o teu corpo
Trabalho feito, a «cachopa deixou de vomitar, não lhe doía a cabeça. Os remédios deitei-os ao lixo, porque quanto mais tomava pior estava». A curandeira não levava dinheiro nenhum, «dávamos o que quiséssemos». Sónia, a filha, é magra, tem cabelo preto e parece sempre triste. Junto ao peito, uma cruz dentro de uma saquinha de pano. «É muito fraquinha de sangue».

 

3

Joana reprovara no exame de código. A mãe, Arminda, resolveu levar uma peça de roupa da filha a uma «senhora, uma peça rente ao corpo, interior», para saber a causa da reprovação. «Depois de benzer a peça, a bruxa disse que Joana sabia as lições todas, mas não podia seguir porque tinha uma viva (alguém vivo que supostamente lhe quer mal) com ela que lhe tapava o caminho. Sabia quem era». Para quebrar «o feitiço, a invejidade», Arminda teve de lhe pôr sal em cruz, com incenso e azeite, três dias «à beira da cama. Calcava esse sal todas as vezes que fosse para o leito. Ao fim dos três dias arrumei o sal para o meio do silvado, defumei-a e deitei o defumadouro ao rio». A vidente mandou marcar novamente exame de código. Somente teria de cumprir um ritual no dia anterior ao exame:
Ela que ponha um terço (à Nossa Senhora de Fátima) e que ponha água benta nos joelhos e no peito e esse terço que acompanhe
Ela que leve duas folhas de oliveira benzida e sal
Antes de saíres acende uma luz à Senhora de Fátima
Reprovou.

 

4

Em casa de Maria José tudo começou quando o filho mais novo não quis dormir sozinho no quarto, pois dizia que via nas paredes desenhos, figuras, e tinha medo. «Um dia andava a brincar no jardim e veio a correr para casa: mãe, vi um monstro. Convenci-me de que havia alguma situação que me ultrapassava». Nessa noite, quando Maria José se levantava para ir à casa de banho, encontrou no quarto, aos pés da cama, a criada enrolada num cobertor. «Estava na cama, de repente começo a ter muito frio, abro a luz e vejo de um lado um homem, do outro lado uma senhora vestida de branco. Enchi-me de força e só parei aqui».
Maria José contou o sucedido a um padre e ele veio à casa. «Pôs a estola e disse que havia qualquer problema. Correu a casa de uma ponta à outra e benzeu-a com água benta». A verdade, é que tudo se manteve. O filho continuava a ter medo, a criada via «coisas e, ao aproximar-se da meia-noite, comecei a ouvir o tic-tic do interruptor do hall de entrada. Repetia-se todos os dias. Fui mesmo espreitar mas nunca vi nada».
Com o problema por resolver, Maria José trouxe uma senhora ao lar que lhe disse: «Isto aqui tem uma coisa que lhe chamam o torrão da casa. Era uma antiga quinta e os donos não a teriam largado e andavam ali. Concentrou-se: Não lhe vão nem lhe querem fazer mal, mas sentem-se bem aqui e não saem. Ora esta, vou estar aqui a aturar mortos!». A senhora fez «mil e uma coisa, levava incenso, água benta, mas não resolveu a situação».
Nem iria resolver. Adoeceu e morreu. Na casa mantinham-se coisas estranhas, como sombras, «gritos que saíam de objectos quando se lhes tocava», e as pessoas não gostavam de lá ir. Como Maria José ouviu falar de outra mulher, pediu-lhe que fosse ver o que era: «Isto aqui está um trinta e um. A senhora tem aqui um homem que é um fortalhaço. É alto, veste sobretudo. Vamos lá ver se o consigo tirar daqui, porque está renitente. E, por vezes, também vem uma senhora». Benzeu a casa e fez determinadas rezas. «Olhe que ele não vem só aqui». Só à segunda vez «é que conseguiu pô-lo fora». Maria José nunca mais ouviu nada, a empregada deixou de ver «coisas», o filho voltou a dormir só.

 

5

Numa aldeia perto de Barcelos, Fernanda tem uma vacaria. Como constantemente os animais estavam doentes e morriam, resolveu tratar do assunto. Trouxe à vacaria uma vidente. «Disse-me que não sabia bem explicar, mas que não era uma coisa tão natural quanto isso. Pegou nuns cornos de vitelo e encheu-os com cigarro, sal, incenso, mirra, e outras coisas, e mandou-os pôr num sítio que as pessoas não vissem, virados para fora. O que é verdade é que as vacas deixaram de morrer».
Conta: «A senhora é quase cega. Concentra-se apenas e descreve aquilo que vê. Não leva dinheiro nenhum, mas ajudo-a porque é muito pobre». Por curiosidade,  Fernanda decidiu perguntar à mulher, como ia fazer uma viagem, se tudo correria bem. «Foi buscar uma bola de cristal, sentou-se, coloquei-me atrás. Por onde passei era tudo igual ao que tinha visto na bola».

 

6

Se a nora não lhe tivesse pedido, Ermelinda não se metia «nestas coisas». Mas o neto era um «enfezadito, sempre a correr com ele para o médico, não queria mamar, ela a dizer-me que ele tinha qualquer coisa». Lá foi, ali para os lados de Felgueiras. «A bruxa era uma moça nova. Caiu, fazia força, os pais a segurarem-na. Disse que tinha sido uma prima da minha nora que gostava do meu filho e que lhe fez uma feitiçaria quando andava grávida e que se pegou ao menino». Diagnóstico conhecido é preciso receitar remédio para o mal. «Mandou-nos fazer três defumadouros. Na maré, isto foi há 16 anos, eram muitos contos. Disse-lhe que o meu filho era pobre e, como tínhamos carro, fazíamos o serviço». O trabalho consistia em deitar os defumadouros em três rios diferentes, por pessoas diferentes, e o último à meia-noite. «Disse como havíamos de fazer, deu-nos arruda, mais lá uns pós, uma estardalhada».
Depois de feita viagem de reconhecimento aos locais, deitaram mãos ao trabalho. «Fui eu, mais dois amigos. O meu filho conduzia a carrinha, mas ele nem saía cá fora, tal era o medo. Levávamos aquilo em três saquinhos. Tínhamos de os botar da ponte abaixo, de costas, e não podíamos olhar. E à meia-noite deitámos o último. Foi assim que fizemos essa barracada».
Depois do serviço, teriam de voltar à curandeira. Encontraram um senhor conhecido que foi directo: «Vocês andam aqui? Estão com uma comedeira que não tem mais tamanho. Vai-lhes comer os olhos da cara». Ermelinda recorda que a brincadeira ficou por 10 contos. «O menino nunca teve nada, era cisma da minha nora».

 

7

Sentada à porta, a pontear meias, já lá vão uns anos, Paula sentiu um murro no peito, mas não viu ninguém. «Nisto começou uma ventania muito grande e a roupa a ir pelos ares. Eu disse: Credo em cruz, santo nome de Jesus. Mas fiquei com o peito inchado».
As filhas começaram a adoecer. Falou com uns vizinhos e o diagnóstico foi simples: «Tinha-me tolhido». Paula foi a Ermesinde. «A bruxa caiu como um sapo no chão para falar e disse-me que era o meu sogro. Tive de ir com a bruxa a S. Miguel o Anjo fazer penitência. Andou de joelhos à volta da capela, fez orações muito grandes lá dentro — até coisa bonita —, muita cera a arder, viemos embora e nunca mais me apareceu. Ela é que fez tudo, nem esfolou os joelhos nem nada. Coisas que até a gente fica assim! Quem não é crente fica sem saber explicar. Sei que paguei, não me lembro quanto, mas pagar custa sempre. Ela atendia no quarto, tinha uma sala de espera grande e encontrei muita gente conhecida. Foi a primeira vez que deitei pés fora da porta, quem precisa anda, e assim aconteceu a mim».
Paula tem histórias infindáveis. Conta tudo com um sorriso bonito que a idade não esconde e de uma forma muito natural. Pelos Santos, foi ao cemitério, mas estava mal. «Sabe Deus como fui». No dia seguinte, uma sobrinha quis ir a uma curandeira. Foram a Gondomar. Paula aproveitou e falou do seu mal, uma dor no joelho que quase não a deixava andar. Diz a bruxa:
— Olha que é um homem, mas ele não quer falar.
— Venha lá esse homem que quero ouvi-lo.
— Bem sabes quem sou. Fazes um defumadouro, levas ao rio e pões-me cera.
— Era o meu pai. Mas pus tanta cera pelos santos...
— A cera quer-se aplicada, oferecida às pessoas, porque senão vêm as outras almas e levam-na».

 

8

Há pouco tempo, apesar de Laurinda deixar claro que não acredita nestas coisas, lembrou-se de dar u

ma «voltinha». Lá falou com uns conhecidos e foi com eles, por curiosidade, para os lados de Gaia. «Cheguei e tive de dizer alguma coisa». Inventou. «O marido dá-se mal comigo. Diz ela: Pois é minha senhora, começou logo com uma cruz, mora perto de uma encruzilhada de caminhos, deitaram-lhe terra de cemitério, a senhora passou, e olhe que ele nunca mais se vai dar consigo, olhe que calcar terra de cemitério é um problema, e foram vizinhas que você lá tem».
Laurinda a perceber «a macacada toda. Ai a mula!». Recorda que era um apartamento, estava um cão deitado junto da mulher, tudo bem arranjado, sempre gente a entrar e a sair. «Tenho de lhe fazer um trabalho, de a benzer, de pôr velas a S. Miguel o Anjo, a senhora tem de ouvir missas. Deu-me para uma receita das grandes». E perguntou:
«— Quanto é?
— Agora são dois contos, e para fazer o trabalho a senhora tem de me deixar...
Nem a deixei falar». Começou Laurinda a apanhar os trocaditos todos, a dizer que tinha de ficar com dinheiro para o comboio. «Tinha lá mais de 40 contos e livro de cheques, mas não era para estragar». Laurinda nunca esteve mal com o marido, «muito pelo contrário. Foi o que me lembrei na altura. Se fosse crente pegava-me com os vizinhos todos, pois algum tinha de ter posto terra de cemitério». Ao sair ainda ouviu: «Paga o resto depois». Nunca mais lá voltou.

 

9

Se o porco comesse, Alberto não teria telefonado a meio da noite a uma curandeira que conhecia. «Ia lá aborrecer a senhora às três da manhã». Os veterinários tinham dito a Alberto que não sabiam qual era o problema, pois nenhum tratamento fazia efeito e o porco continuava sem comer. Alberto não hesitou. «Nessa noite não consegui dormir. Quando vim ver o porco de madrugada, estava a morrer. Lembrei-me da senhora». E telefonou. Disse-lhe ela, «um pouco aborrecida, pois àquela hora não se incomoda ninguém, e logo por causa de um porco! Ora bolas, pegue numa mangueira, enfie pela boca do porco e abra a água, Tem uma laranja entalada na garganta. E não é que o porco ficou bom!!!».

 

10

Quando Sandra adoeceu, nunca pensou a mãe, muito menos o pai, recorrer a uma vidente. Estava Sandra no hospital, «e fomos à senhora Graça, a Braga. Sandra tinha doença grave e a mãe recorreria a tudo para a curar. «No hospital diziam-nos que não havia certezas de nada, que tudo indicava que iria correr bem. Muitos morrem e se não tivermos nenhum alicerce desistimos. Ela deu-nos uma causa para a doença». Graça sabe «atenuar as dores quando Sandra vai fazer tratamentos. Antes de ser picada, ligo-lhe e aquilo decorre de forma diferente, para melhor. Posso ser influenciada psicologicamente, mas Sandra não liga a essas coisas nem tem idade para as perceber». A vidente trata Sandra «como uma filha. Pega nela ao colo, conversa coisas normais, é carinhosa, nota-se ternura por ela. Passa o papelinho dos medicamentos que são baratos e dão para muito tempo. Não deve ganhar grande coisa com isso. Não pagamos mais nada».
Ao pai, Manuel, custou aceitar esta ida à vidente. «Não fazia ideia de que houvesse um mundo paralelo de medicina alternativa, que parece que vai desde charlatães a pessoas muito honestas e competentes». Por isso, Manuel gosta de colocar todas as dúvidas a Graça. «Antes de perguntar ela responde ao que estou a pensar. Sem dúvida nenhuma, e dada a minha racionalidade, pude ver que não é trabalho de charlatanice. Mostrou e deu provas que o trabalho que faz é válido, sério. Há ali uma ciência, uma técnica terapêutica metafísica que domina e objectivamente funciona».
Para a medicina evoluir são feitos diferentes tratamentos. Sandra entraria num grupo de muitos meninos. Poderia continuar a ser picada ou a fazer o tratamento oralmente, «e qualquer uma destas terapias é feita arbitrariamente, sem se saber se é a melhor ou não para aquela criança. Nós recusamos o grupo em que teria de ser picada». A escolha não foi fácil. «Graça deu-nos uma resposta, disse que Sandra não precisava de ser mais picada, mesmo a manutenção oral achava excessiva, mas que não ia contra o que os médicos dizem. Tivemos coragem e dissemos à médica qual era a nossa opção. O que Graça nos diz está sempre certo, porque os médicos confirmam depois. Para ela terei sempre um agradecimento eterno».

 
Como defumar?

Habituada a certos ritos, Rosa sabe que deve deitar «o defumadouro dentro de uma lata velha, bota-se álcool, chega-se o fósforo e deixa-se arder bem ardido. Passa-se pela casa toda e por cima da pessoa em cruz. Depois bota-se água para arrefecer e põe-se numa saca para se deitar fora. A gente leva um bocado de sal no bolso e ao vir embora deita sal para trás e não olha, para aquilo não vir atrás de nós. Se olhar para trás eles (as supostas almas do outro mundo) voltam e ouço falar que é bem perigoso». E explica como se faz um defumadouro: «Faço-os com alecrim, oliveira, arruda, sal virgem, incenso e mirra que se compra nas farmácias. Depois de arder, arruma-se o defumadouro: ou deita-se ao rio ou ao monte, pois há mortos que não querem ir para o rio. Mas longe, de forma que não passe lá ninguém durante nove dias. Quem passar está sujeito a vir com eles às costas».

 
Levar à bruxa

A melhor forma de saber onde existem curandeiras, é perguntar a um taxista. Sabem o que tratam, os dias da semana que dão consultas, quanto levam. Joaquim Moreira já levou muitas pessoas à bruxa. «A maioria delas vem com destino em mente. Há outras que nos perguntam se conhecemos alguém. E havia colegas que trabalhavam em conjunto com essas senhoras. O taxista estudava o cliente e dizia o que a pessoa tinha à mulher. A vidente quando dizia você tem isto ou aquilo, já o sabia. Havia uma senhora entre a Régua e Santa Marta que dava uma comissão a um taxista para levar lá pessoas».
Joaquim Moreira chegou a levar clientes à Régua, Viana do Castelo (Santa Luzia), Espinho (Senhor da Pedra), Ílhavo. «As pessoas vão fazer o que a bruxa manda. Algumas vão pôr velinhas, outras vão ao rio deitar coisas, já vi uma pessoa a cozer os pés com agulha e linha, mas só na parte superficial da pele, e não podia lavar os pés durante um certo tempo para ficar purificada».
E tem ideia de valores? «Há videntes que dizem dê o que quiser e outros têm preço estabelecido. Essa entre a Régua e Santa Marta chegava a levar 10, 20, 30, 40 contos». Conta: «Levei lá umas pessoas. Pagaram-me de frete dez contos, da consulta 20. Mas era necessário defumar a casa. Trouxe a bruxa. Para defumar a casa levou 60 contos. Voltaram-me a dar 10 contos para a levar. Só numa manhã gastaram 100 contos! E quanto mais mal encarado é o bruxo mais gente tem à porta». Continua: «Depois, há os jogos comerciais. Foram ali (refere-se a uma curandeira que não nos atendeu) e viram o café. Em Vila Real há um café, em Vizela há outro. As casas ficam quase sempre no meio do monte e como os bruxos empatam os doentes, eles são obrigados a comerem lá. O dono do café é filho, sobrinho ou afilhado. Por vezes, pagam pequeno-almoço, almoço e lanche. Já fui a um local onde a primeira pessoa a ser atendida — às 8h00 — estava à espera desde as 21h00 do dia anterior. Passou lá uma noite toda naquele frio!».
Sabe Joaquim Moreira que há muitas pessoas «que procuram estas coisas. Há pessoas riquíssimas, conhecidas, donos de fábricas, advogados, juízes, cheguei a ver capitães da Brigada de Trânsito, de tudo». Aprendeu que há bruxos mais especializados para umas coisas, outros para outras. «Mas as bruxas são mais simpáticas do que os bruxos. Um de Vila Real é trombudo, mal encarado, mal educado. Quando levei lá uma senhora com a filha, ela gastou um dinheirão na consulta e nos medicamentos que ele receitou e que vende. A filha tinha um mal de nascença e a última vez que vi a senhora, tinha a filha nos cuidados intensivos num hospital do Porto».
Habituado a lidar com as pessoas que leva e com os bruxos, sente que «eles são uns bons psicólogos e bons herbanários. Um médico não fala e não está com pachorra para aturar o doente. A bruxa pode dar na mesma aspirinas, até embrulhadas num papel de prata, reza um Pai Nosso e uma Avé Maria e a pessoa sara».
Para ser bruxo «basta ser esperto. Umas das mais conhecidas e concorridas daqui, começou a ir à bruxa a mando de outras pessoas que tinham vergonha de ir. Ia por seis ou sete vizinhas. As pessoas pagavam-lhe todas o frete do táxi, começou a ver como aquilo funcionava e acabou por se dedicar ao trabalho. Houve aqui perto um caso: quando a senhora morreu quem ficou a fazer os trabalhos foi o motorista. Esse dizia aos doentes que tinham de deixar o ouro para ser purificado num sítio do Porto e a maioria nunca mais o viu».
Claro que «nós também vivemos disto. Não vamos estar a criticar. A verdade é que vi pessoas mal e que ficaram melhores. Mas a cada sítio que se vá é sempre a mesma coisa». Nota que entre bruxos há muita concorrência. «Há uns anos para cá começaram a aparecer muitos. Só aqui veja os que existem! Têm todos os mesmos ritos e as mesmas regras».

Nota — Todos os nomes, mesmo alguns lugares, foram alterados.

 

Sábios do povo

 

Agora, dois videntes e uma vidente. Leiam as histórias, percebam o que sentem, como tudo começa. Sorriam e pensem. Este é outro mundo.


Se não fossem as azeitonas, talvez Fernando Acácio Castilho não tivesse dado a entrevista. Tinham-nos indicado que na aldeia de Vilarelhos, Alfândega da Fé, havia um bruxo. Chegar a Vilarelhos foi fácil, saber onde estava Fernando Castilho, o vidente, um pouco mais difícil. «Se vem para a consulta é melhor ir embora, hoje não atende ninguém. Anda na apanha da azeitona». E é perto? «Depois do cemitério». Pergunta aqui e ali e chegámos ao terreno onde Castilho e a esposa apanhavam azeitonas. A recepção foi de cortar à faca. Ela olhou-nos de lado e atirou: «Hoje não dá consultas». Acácio Castilho acalmou as coisas.
Ajudámos, vergados, a deitar azeitonas nos baldes, depois para sacos plásticos. Puxa rede aqui e acolá. Com oito mãos o trabalho tornava-se mais rápido. E o frio da esposa de Castilho diminuía. «Não gosto de ser interrompida quando estamos a trabalhar». Caía o sol, ficava o frio transmontano. Arrumaram-se as alfaias e ficaram as oliveiras sós, algumas despidas do fruto, outras à espera da próxima apanha. Fala-nos Esmeralda, esposa de Castilho, que ali será construído o futuro lar. O lugar é calmo, olivais a perder de vista.
Na aldeia, fomos para a garagem onde o Irmão Fernando e Mary Freire (como os intitula um papel que nos ofereceram) dão consultas. «Ora sentem-se, estejam à-vontade». O espaço é frio. Mesmo depois de terem acendido dois catalíticos parece que a situação não irá melhorar. Fernando é homem simples, roupa suja de pó, do trabalho, olhos castanhos, baixo, barba por fazer. «Dentro do meu trabalho não quero fantochadas. Estou assim normal. Ou somos o que somos ou estamos a fazer de quê? De importantes?». Senta-se numa bela cadeira, à frente uma secretária. Na garagem gelada destaca-se a mobília, oferecida por um senhor da Póvoa depois da cura «milagrosa do filho». E há muitos santos. Junto à parede, uma tosca prateleira de metal com vários produtos.
Esmeralda, está sentada atrás. Fala Castilho: «Descobri este dom por uma simples razão. Quando era garoto vinha um sujeito com uma senhora atada numas cordas como se fosse um animal. Vinha da minha horta e tentei saber o que se passava. Disse ao homem que podia desprender a mulher.
— Ó menino, não posso que a mulher bate nos dois, está endiabrada.
— Tire lá a mulherzinha que não tem nada.
Pus-lhe a mão na cabeça, fiz as minhas orações, e a mulher ficou estável. Foi quando ela pegou numa varita e começou a fustigar-se. Era um espírito, a comadre tinha-se metido dentro dela». Depois, correu bastantes médicos que diziam que sofria de epilepsia, «mas nunca sofri disso. Caía num lado qualquer e nem que passasse um batalhão de soldados não ouvia nada». Tinha 15 anos. «Sofri muito até aí. Passei dias em hospitais, consultas de psiquiatria, tomava potes de remédios e em lugar de recuperar punham-me a dormir de dia e de noite. Até que fui a um padre que me disse que eu era médium, que tinha de trabalhar». Custou-lhe aceitar. Fugiu para Lisboa onde andou com cestos de pão às costas. «Foi uma vida de sofrimento». Veio para Valpaços onde abriu escritório e de Valpaços para Vilarelhos.
A Fernando chegam problemas de toda a espécie: «União, doenças, qual o sistema da vida deles, o porquê. A gente trata de fazer o melhor que puder». Esclarece: «O meu papel não é fazer mal a ninguém nem fazer bruxarias como há muitos que as fazem. Estou rodeado de imagens, de santos. Através dos nossos guias vamos ter um diálogo com o cliente para podermos fazer os trabalhos». Mas não se alonga na explicação. «São coisas de muita intimidade para connosco. Porque se fossemos nomear a, b ou c, perdíamos os valores dos guias».
Tira outro cigarro. Está calmo e fala pausadamente. Na cadeira, uma estola, «para não ser incomodado». A porta da garagem tem largas frinchas e deixa entrar frio. Os aquecedores não atenuam a brisa gélida. «Deus manda unir, não manda demolir. O nosso trabalho é de bem, de ajudamento, passamos aqui horas e horas, nem vamos almoçar. Há trabalhos longos, depende, mas temos sempre tempo». Conta pormenores: «Uma pessoa quando chega aqui é registada, fazemos uma ficha. Se chegar e não se identificar não atendo, porque é preciso saber com quem se lida». No armário, aquilo que pensava serem livros, são capas com as fichas dos doentes.
«Sou uma pessoa liberal, não me escondo absolutamente de nada, eu sou eu, não me meto na vida de ninguém. Sou sacristão da aldeia. Eu e o padre somos íntimos amigos». Não dá consultas terças, sextas e domingos. «As pessoas sabem os dias que trabalho e a procura é sempre igual. É sempre aqui um ror de gente, há dias de ter aqui 50 pessoas, outras vezes 30, depende. As pessoas esperam lá fora, porque somos os dois a trabalhar. A minha esposa faz uma função, eu faço outra. Não há ligação, cada um faz o seu trabalho».
Sinto que não esconde nada: «Desde o momento que saiba aquilo que estou a fazer e o doente venha ter com a gente de uma forma livre, nada pode ofender ninguém. Há pessoas que trabalham nesta vida espiritual que levam milhares de escudos. Aqui as consultas são grátis. Tentamos ajudar, obviamente que a pessoa terá de pagar o produto que temos para vender, mas o médium verdadeiro não pode fazer preço a ninguém. Claro que há pessoas que dão dinheiro. Mas se os trabalhos que Deus dá são iluminados pela Providência, acho que ninguém deve explorar o ser humano. Porque bem alto se faz um castelo, mas também cai. Vivo numa casa sem banheira, onde os meus pais me criaram». Conta Castilho histórias da vida, dessas que parecem inverosímeis pela irrealidade e pelo sobrenatural nelas contido. O relógio bate horas e a conversa alonga-se na noite e no frio.
«Normalmente sento-me aqui, onde estou. Dou umas palavras de conforto, tento compreender a pessoa para poder debater aquilo que a pessoa quer. Porque elas vão à parte medicinal e são doenças viradas ao contrário, o médico não pode ajudar. Tenho um médico meu amigo que manda muitas pessoas para a minha mão. Tentamos dar apoio ao doente desde que o doente venha ter connosco com seriedade». Mas do que receita não fala. «Há coisas que não podemos divulgar».
Fernando Castilho fala do que acredita e sente com uma naturalidade extrema, sem medo. «Uma pessoa quando está atacada da parte espiritual, o primeiro a sofrer somos nós, ficamos sobrecarregados, com o peso do outro mundo. Passamos noites incríveis sem dormir. Parece que nos estão a bater com varapaus e de manhã estamos moídos. Estou a fazer um trabalho com um doente e viro-me para aquele santo, o S. Judas Tadeu, e digo em pensamento tens de fazer este trabalho. Tenho plena certeza de que quando o invoco nas minhas orações ele me vai ajudar. Se não agradeço às minhas imagens o bem que elas me têm feito o que estou aqui a fazer? Não pode ser só pedir. Aqui, descem espiritualmente muitas pessoas, dizem o que querem e vão embora».
Há momentos que Fernando «sente dores, o corpo deslaçado, diferente, o busto do meu rosto deslizar, desfigurado. Sabe o que é um enxame de abelhas atrás de uma pessoa? Sabe na imaginação, não é? Pois a parte espiritual é a mesma coisa atrás de um médium». Fala muito, como se estivesse a fazer um sermão. Para além do frio, juntaram-se os ruídos exteriores dos cães. «Não sou ninguém, não quero ser uma pessoa importante nem elevada a nada. Tudo quanto peço a Cristo me tem sido concedido». Perante o meu olhar duvidoso Castilho explica-se: «Pode estar a pensar que lhe estou a contar histórias para o convencer. Não sou fingido para ninguém. O que sou e o que pretendo ser é direito para as pessoas, nunca escondo, não sou hipócrita. Gosto de ser muito realista, frontal e directo».
Descontraído, solto, refere o que será o mundo. Depois dos próximos anos «terríveis», as coisas vão melhorar. «E vou-lhe dizer uma coisa. Quando o Papa morrer, vamos ter um Papa de cor».
Nesta garagem, que alugaram para consultas, a noite entra pelo negro. «Trabalho com o padre Cruz, com o Dr. Sousa Martins, com a Sãozinha, com vários guias, pois cada guia tem a sua função». E vem aqui muita gente? «Aparece aqui de tudo, não rejeitamos ninguém. Temos tempo para todos. Um conforto, um carinho, uma amizade, umas palavras. Vêm pessoas de todo o país e de todas as idades, até padres têm cá vindo».
Nas prateleiras para vender têm mel, velas, chás. Numa espécie de balcão, vários santos, como se fosse um altar, flores plásticas, potes de incenso, mirra e benjoim. Parece que tudo sossegou no frio. Talvez, quem sabe, pelo que disse Esmeralda: «A si (virada para o repórter-fotográfico), acompanha-o o espírito de um padre».

 

Rosto de criança

As indicações na zona de Chaves eram de Amoinha Nova. Mas a curandeira não estava. As quartas-feiras eram dias de descanso. Viemos à cidade. Com os taxistas, as indicações alargaram-se. Que havia um vidente em Chaves, o senhor Carlos, muito conhecido. Em Rabal, Galiza, uma senhora que tratava também «desses problemas». A da Amoinha era mais ossos, mas que seria fácil descobri-la em determinado restaurante. Manhã cedo, fomos à procura do senhor Carlos. A casa branca, nova, estava fechada e parecia deserta. Batemos e tocámos à campainha. Nada.
Hora de almoço. No restaurante indicado, estava Maria Alves, conhecida por senhora Marquinhas. Que dava entrevista às cinco da tarde. Como tínhamos tempo, novamente fomos a casa do senhor Carlos. Estavam pessoas à porta da cave. O interior assemelha-se a um consultório de qualquer médico, este muito mais amplo, sem cheiros estranhos, cómodo, limpo. À secretária, rodeada de prateleiras de produtos naturais, a esposa de Carlos. «Um momento... Pode entrar». E expliquei. Carlos tinha o dia muito ocupado. «Mas pode ser às três?».
Fomos a Rabal, Galiza. A casa da vidente estava fechada. Novamente para Chaves. Na sala de espera, oito pessoas. Sofás confortáveis, alguns quadros de santos, uma mesa com revistas diversas. Pela hora marcada, Carlos pediu para esperarmos um pouco. Rapaz magro, muito novo, alto, pálido. Entraríamos 15 minutos depois das três da tarde. Carlos é nervoso, fuma, veste roupa branca, casaco preto, anel dourado, cabelo quase louro, rosto jovem, ar de criança. No interior do seu local de trabalho, há um forte cheiro a incenso e uma música suave acompanhará todas as palavras.
Carlos Nascimento tem uma simplicidade infantil. Não tem medo de falar e nada parece esconder. No consultório, dois altares com santos e nas paredes alguns diplomas afixados. «Comecei a trabalhar no mundo espiritual com 14 anos nas Pedras Salgadas». Antes, esteve doente. «Quase não andava. Os meus pais recorreram aos médicos, fizeram-me montes de exames, cheguei a pesar 28 quilos. Um médico aconselhou minha mãe a levar-me a uma bruxa. Se calhar a cura dele pode estar desse lado. Fui a um senhor. Andei bem 15 dias, mas voltou a repetir-se o mesmo. Outra vez ao médico. Mais vitaminas. Caía, rachava a cabeça e nem dava conta». Em vários locais «me disseram que tinha de trabalhar. Depois começaram-me a ocorrer coisas que iam acontecer, apareciam formas como nevoeiro e formavam-se imagens. Via acidentes, pessoas que morriam. E comecei a trabalhar».
Tinha 14 anos. «Foi-se espalhando, a fama foi aumentando, e como o ambiente que tinha para trabalhar não tinha condições, vim para aqui». A ele recorrem pessoas de todas as classes socias, «gente muito importante e conhecida», para tratar problemas do «foro psicológico, espirituais, saúde. Tenho de me sujeitar a tudo. Mas nem sempre se pode dar serenidade às pessoas. Sou sincero. Quando vejo alguma coisa digo o que vejo, quando não vejo digo que não vejo. Se o problema é a nível de saúde, digo que a pessoa pode ir ao médico ou pode fazer um tratamento a nível de medicina natural». Carlos Nascimento tem o décimo ano e vários cursos, os tais que estão emoldurados na parede.
«Primeiro procuro deixar a pessoa à-vontade para em seguida lhe dar a mensagem». E o que sente? «Vibrações auditivas, sensitivas. Outras vezes não sou eu, sou incorporado. Isso não ocorre quando queremos, é espontâneo. Posso estar a falar muito bem consigo e de repente entro em transe e ao entrar em transe pode baixar um guia, sei lá, um espírito, podem baixar diversas coisas». Carlos Nascimento, «incorporado, perde a noção do que está a dizer, não me lembro de nada. Não tenho ninguém aqui comigo, são as próprias pessoas que falam directamente com quem vem. Depois de vir não consigo controlar. O cérebro começa a ficar gelado, parece que estamos muito longe, que não se vê, os olhos começam a ficar fechados, o corpo muito pesado e quando der conta não sou o mesmo. Quando volto, a temperatura começa aos pouquinhos a estabilizar».
Nestas consultas recebe o que as pessoas quiserem dar. Em questão de «herbanária há um preço estabelecido». Carlos costuma trabalhar todo vestido de branco. O cordão de ouro que traz é «casual. O branco aporta paz, fluídos e energias positivas. Trabalho sempre com um copo de água e sal que é para atrair os fluidos negativos, ponho uma vela branca a arder ao anjo da guarda, aos espíritos de luz superiores, aos seres astrais, uma vara de incenso sempre, e música». Que é suave. Atrás de mim estão os altares, com as mesmas imagens dos altares dos templos católicos. Os guias «são padre Manuel do Couto, a Donai, o Caboco, Santa Maria Adelaide, mas ela baixa muito raramente, uma senhora chamada Maria de Jesus, outra Maria, um espírito africano que se chama Benedito». Como sabe os nomes? «Têm apresentação. O espírito é que diz o nome. Eu próprio às vezes não entendo».
Mas não gosta de fazer este trabalho. Contudo, vai continuar. «Já montei uma série de negócios, um café, lojas, para largar este trabalho. Mas tenho obrigação de o fazer. Sou capaz de deixá-lo 15, 20 dias, mas se passar mais tempo é como faltasse algo dentro de mim. Sinto-me oprimido, triste, melancólico, parece que não tenho razão para viver. Fico sem apetite, não tenho forças no corpo, só me apetece dormir. Consulto uma pessoa e olhe, fico bem». E sorri. Um sorriso magro, também nervoso, agitado. Diz que está sempre assim.
Carlos Nascimento descansa aos fins-de-semana. Da parte da tarde, nos outros dias, dá consultas. «À noite vou ao café, vou-me divertir com os meus amigos, essas coisas todas. Procuro fazer uma vida normal, mas quando saio à rua todas as pessoas me conhecem e tenho repugnância em sair». Fala dos tratamentos para casas com feitiçarias, do que os espíritos normalmente querem. Um mundo sobrenatural, mágico, doutros mundos desconhecidos e não reconhecidos pela ciência. Mas sente que tem um «papel educativo. A pessoa não pode pensar que tem só corpo, também temos espírito».
Da herbanária diz que tem alvará, por isso não receita medicamentos de farmácia. Gostava «que o mundo científico se associasse ao espiritual. Acho que se as duas forças se unissem, a medicina poderia avançar muito mais do que tem avançado e poderíamos nós avançar também. Estava disponível para esta abertura sem problema nenhum. Mas dentro da magia ou deste trabalho é preciso saber como se lida. Podemos ter certeza daquilo que estamos a dizer, mas não temos provas».
É tarde. Na Amoinha Nova, talvez Maria Alves nos espere. E Carlos Nascimento tem a sala cheia de pacientes. Fica no ar a simpatia e o odor a incenso. Como marcado, faltam dois minutos para as cinco quando chegamos à Amoinha. A casa está vazia. Só uma luz acende e volta a apagar-se. Às seis da tarde decidimos que chega de espera. O frio enerva. Chegaria Maria Alves pelas onze da noite. Disse-mo ao telefone. Não arrisquei marcar mais nada. No restaurante, foi muito simpática. Com ela, duas pessoas, disseram-nos que filhos, com cara de poucos amigos. Só Maria Alves sorria na idade avançada, nos anéis, no dourado do cabelo e do rosto.

 

«Só por marcação»

Em Amarante o trabalho foi infrutífero. Não é que faltem curandeiras. O problema é pô-las a falar. Numa aldeia da serra, depois de uma curta espera — acabava a vidente a consulta —, viemos de mãos a abanar. Não dava entrevistas. Em Freixo de Baixo não estava ninguém em casa. Só várias pessoas à espera. Disseram-nos que talvez demorasse.
Em Celeirós, Braga, Maria da Conceição Silva Antunes, conhecida por D. Sãozinha Cabral, esperava-nos. Os sorrisos, a simpatia, a lucidez, a roupa colorida, escondem a idade. Com ela, a filha. Que não queria que a mãe desse entrevista, que os jornalistas são isto e aquilo — que paciência preciso de ter! Sãozinha Cabral tinha dito que dava a entrevista. E deu. Mas avisou: «Olhe que uma cassete não chega».
Sãozinha Cabral é uma mulher forte. Tudo quer contar. Coloca no que diz todos os pormenores, as datas, adjectiva a vida como se de um romance de Eça de Queirós se tratasse. E tinha razão. Uma cassete não chegaria. Terei de resumir. Desculpe.
«Quando cheguei aos 15 anos é que foi a história verdadeira» — e até aqui a conversa levava mais de uma hora. Ansiosa por ir a Braga, naquela altura poucas vezes saíam, «começa uma desinquietação comigo tamanha, uma coisa sem explicação, sem sossego, a faltar o ar, a parecer que ia morrer asfixiada, a abafar, sem poder falar». Foi ao médico. Não tinha nada. Foi a outro. O mesmo diagnóstico. «Era vaidosa. Mas comecei a perder o gosto de me vestir, nem queria falar com ninguém. Fiquei muito doente. Foram a minha casa padres e um ficou suspenso com um livro na mão. Ai, eu não me atrevo a isto».
Um dia, foi lá um padre «que estava sem missa por tratar destas coisas, e disse que eu ia sarar. Então, começou a falar, com os exorcismos do padre, um espírito, a primeira mulher do meu pai, que tinha deixado um cordão e que o queria ver. Disse que era ela que tinha posto o meu pai doente, que a doença da minha mãe era ela e como pedi a doença da minha mãe para mim, encostou-se a mim. Não me lembro de nada, contaram-me depois tudo».
Sãozinha Cabral esteve ano e meio sem sair de casa. «Mas, como era bonita, um rapaz apaixonou-se por mim. Lá pensei que se começasse a namorar as coisas saíssem. Era o amor de perdição. Lá comecei a melhorar, mas nunca fiquei bem de todo». Casou e foi viver para Braga. «Comecei a ouvir coisas, mas não dizia nada ninguém, tinha medo, e essas coisas davam certas».
Às escondidas do marido, e depois de falar com uma cunhada, começou a ir a um senhor. Disse-lhe: «A menina é uma antena das grandes. Sabe qual é a sua missão? Trabalhar, ajudar, sofrer. Mas esse senhor morreu e comecei a achar-me muito doente. Vim dos 78 quilos para os 50. E ouvia coisas. Estava sempre a ouvir e sempre a mudar de casa».
Já com três filhos — «passei coisas do diabo com o meu marido, estava dada como santa pelo que aturava» —, começou a ouvir vozes não sabe de quem: «Vai ao Bom Jesus pôr velinhas nove sextas-feiras, que ao fim das nove sextas-feiras ponho o teu marido a viajante no Porto». Contou a uma comadre e a um compadre o que ouvira, que a aconselharam a fazer isso. «Lá comprei as velas e fui com a minha filha mais velha pelo escadório acima. Parecia que ia no ar. Fui melhorando e tive uma visão: pessoas pelas minhas escadas acima, de todas as classes. Na última sexta-feira, o meu marido também foi. Ao chegar a um calvário, ao senhor da escuridão, começou a falar através de mim S. Francisco de Assis: A tua mulher tem um poder muito grande, se quiseres dar-lhe ordem para trabalhar, tens mulher, se não a deixares trabalhar, ela vai-te morrer. E se a deixares trabalhar dentro de dois dias estás no Porto a viajante. O meu marido chorou e prometeu que me deixava trabalhar».
O marido foi para viajante e Sãozinha Cabral «ia para o Bom Jesus, para Santa Marta, levava as pessoas todas, isto no tempo do Salazar. Era proibido. Mas quem não deve não teme e eu não levava dinheiro a ninguém e tinha muita fama». Tratava «doenças, de tudo». Agora, com 74 anos, a idade pesa, prefere «deitar as cartas, porque isto de entrar em transe bole muito com a cabeça, é desgastante. As pessoas dizem o nome, a idade, e digo logo o que têm, se sofre disto ou daquilo, só assim concentrada. Olho para Cristo — um quadro que coloca à sua frente».
Bem-disposta, diz que «acontecem coisas que me rio a perder. É cada coisa que me aparece aqui! Então separações é o prato do dia. Algumas vêm cá para prender homens que são de outras mulheres, mas essas vão logo pelo mesmo caminho. Julgam que vendo a alma ao diabo? E casadas... Antes elas iam-se confessar ao padre, faço ideia do que ouviam! Agora sou confessora das pessoas. Que putedo franciscano anda para aqui neste mundo, penso cá para mim».
Sãozinha Cabral fala connosco na sala do seu apartamento. Geralmente, as consultas são realizadas no sótão. Para «sarar as pessoas», levanta-se, põe a mão na cabeça e diz uma oração. Sirvo de modelo. Senta-se e continua a longa reza. «Depois pego nesta garrafa de água que compro no supermercado, concentro-me e faço uma oração. Com esta água têm pessoas deitado tranças de cabelo pela boca fora, e eu que julgava que não havia bruxedos! Mas a água só tem valor se lhe fizer esta reza. Depois tenho de desarrolhar a garrafa e tenho de ver um fio de luz, porque muitas pessoas vêem outras não. Enquanto o fio de luz não vier não posso dar esta garrafa aos doentes. Os doentes levam-na para tomar à colher como remédio. Mas ao tomá-la tem de ser com fé, rezar um pai-nosso».
Sãozinha já não tem idade «para subir escadórios. Cheguei a pôr os joelhos a deitar sangue, a romper as unhas dos pés». E leva dinheiro? «Faço preço às cartas. E se tenho de ir pôr círios, as pessoas têm de pagar pela deslocação e pelas velas. Se fosse negociante punha aqui velas para vender, podia ganhar algum. Não sou apegada ao dinheiro. Olho pela minha vida». Faz a conta do que gasta. As despesas não chegam aos quatro contos. Diz à cliente: «Isto importa assim, agora a senhora dá o que quiser. Não estou aqui para fazer favores ao povo. Mas só faço as contas às pessoas que são esganadas, que não dão dinheiro para nada».
Às terças e sextas Sãozinha Cabral vai pôr as velas, por escala. Coloca num livro de apontamentos o nome das pessoas, onde moram, a idade, e concentra-se. «Mando-os vir aqui outra vez, mando-os tomar esta água, defumar-se com incenso e dizer esta oração». Entrega-me um papel. Está tudo explicado. «Tem de se lhes dizer tudo. A minha cabeça é de bronze para aturar esta gente. Mas não quero muitas pessoas. Só através de marcação».

 

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Publicado bragadistrito às 01:00
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55 comentários:
De maria a 26 de Agosto de 2010 às 00:11
Olá a propósito de bruxos da zona de vila real, queria saber se alguém conhce o trabalho do Mestre Cruz? se é credivel e sério?

Obrigado
De Maria a 1 de Abril de 2011 às 21:33
Tambem não ouvi falar dele, porque? Tem vários sites... e videos. Alguem já ouviu falar dele? Bem? Mal? Qualquer coisa? Alguem já fez algum trabalho com ele?
De MESTRE CRUZ a 5 de Agosto de 2011 às 23:09
ALGUNS VIDEOS,SAO SIMPLESMENTE A EXPLICAR COMO FUNCIONA OS TRABALHOS,MAS NA REALIDADE OS TRABAHOS OS TRABALHOS SAO FEITOS NOUTROS LOCAIS E NAO EM ESCRITÓRIOS.
De mimi a 5 de Abril de 2011 às 21:33
eu tambem gostava de saber se alquem conhece o mestre cruz de vila real, se alguem já fez trabalho com ele
De MESTRE CRUZ a 5 de Agosto de 2011 às 23:12
SE CONSEGUIREM RESOLVEREM OS PROBLEMAS SEM ANDAREM NOS BRUXOS MELHOR,NEM TUDO SE RESOLVE NOS BRUXOS,AS PESSOAS RECORREM AOS BRUXOS POR TUDO E POR NADA.
De MESTRE CRUZ a 5 de Agosto de 2011 às 23:04
EXISTEM TRABALHOS QUE SAO POSSIVEIS E OUTROS NAO.NAO SOU NENHUM MILAGREIRO.
MESTRE CRUZ

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